CORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, SÁBADO, 13 DE JUNHO DE 2009
Crônicas da Cena
Reconhecimento do medo
Todas as coisas são desconhecidas, simbólicas do desconhecido, em consequência, o horror, o mistério, o medo, face a face, por demais inteligente, reconhece Fernando Pessoa. O medo é, talvez, a principal fonte para os problemas da psicologia. É a carência, determinada pelo excesso de pulsão, que tece o manto da neurose, o manto azul da culpa, pinta Bruhegel. A neurose não é o processo, é a estagnação; seu impedimento, a parada, e não o seu curso. O nódulo, a repressão, o recalque, que se constitui a partir daí é o fator concreto que impede o acesso direto ao desejo. Portanto, o medo está a clamar por ser desvendado pela arte. Este é um dos mistérios que cabe à arte revelar, conhecer o segredo do medo, sua verdade. Não o seu esquecimento, mas o seu reconhecimento. Esta penetração no âmago do desejo é a ponte que a arte constrói, que vai de um para o outro. Sua essência e necessidade. O medo inibe o relacionamento, a arte tem a função de fazer vergar este arco, contrapesar a tensão gerada pela incomunicabilidade da sociedade.
Proporcionar às crianças o reconhecimento do medo através do caminho da magia é das mais belas funções da arte. Paulo Guerra dispõe com generosidade sua grande trajetória, a favor de criar um ambiente delicado, com o espetáculo em cartaz na sala Álvaro Moreyra, 'Chapeuzinho Amarelo'. Baseada num poema de Chico Buarque de Hollanda, Artur José Pinto fez uma saborosa adaptação que permitiu o aparecimento de uma linguagem de grande eficiência entre os atores. O espetáculo se diferencia pelo belo e pertinente acabamento. Necessário destacar a figura de Denis Grosch, que tem participado de uma gama enorme de produções, com invariável entrega e qualidade. O mérito maior da peça é fazer com que as crianças se sintam cúmplices dos desejos plantados no palco. E isto é proporcionado, com humor e técnica, presente em todas as áreas da produção.
Caco Coelho
Correio do Povo Porto Alegre - RS - Brasil
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