TEATRO
Drama exigente e equilibrado
ANTONIO HOHLFELDT
A estréia de Dois de paus, de Arthur Tadeu Curado e direção de Paulo Guerra, revela um dramaturgo competente e um diretor plenamente maduro. Desde o título, a peça de Curado mostra sensibilidade, inteligência e cuidado em não descambar para o óbvio, tendo em vista o tema escolhido. É certo que Curado precisará ultrapassar o texto fragmentário para alcançar um trabalho mais fluído e contínuo, mas isso virá com o aprendizado. Há um conto conhecido de Caio Fernando Abreu, Aqueles dois, mais tarde transformado em filme, que toca na mesma temática, pleno de sensibilidade e de sentimento. Do ponto de vista da forma, Dois de paus me fez relembrar Mão na luva, para mim a obra-prima de Oduvaldo Viana Filho, mas que ele escondeu, com medo dos companheiros do PCB. Quero explicar: tanto Mão na luva quanto Dois de paus tocam o mesmo tema: a dificuldade de uma relação. E ambas terminam, apesar do amor que une os personagens. No caso de Vianinha, Ele e Ela contracenam já no momento crítico. Flashbacks contínuos reconstituem a relação.
No caso de Dois de paus, a peça se inicia quando a relação se rompe e depois um longo flashback recupera a história pretérita. A sensibilidade de Vianinha é inesquecível. O equilíbrio de Curado é excelente, com o acréscimo – que Vianinha não tem – de certo humor que quebra o clima dramático e realimenta o interesse do espectador pelo enredo. É evidente que há situações e contextos que inexistem em Vianinha, por se tratar de um casal heterossexual, enquanto podem ser abordados na peça de Curado, por se tratar de um casal homossexual. Mas, nestes casos, é a ilustração particular do caso mais geral. E o caso mais geral é a relação entre duas pessoas. Substitua-se um dos rapazes por uma mulher, e o diálogo continua válido, o drama continua de pé e, sobretudo, a criação de Arthur Tadeu Curado continua tendo sua lógica interna.
Alvíssaras! Descobriu-se um novo Dramaturgo, assim mesmo, com D maiúsculo, tanto mais que ele não temeu estrear tocando num tema ainda tabu. E parabéns ao diretor Paulo Guerra que teve a coragem de sair de seu sucesso e partir para um texto denso e complexo, que exigia equilíbrio e cuidado para não cair no anedótico,o que conseguiu plenamente. O cenário de Cláudio Benevenga é inteligente: constitui e desfaz o triângulo amoroso que é o cerne do drama. A trilha sonora original de Jean Presser, com um solo de piano, é perfeita, lembrando às vezes Eric Satie (o que é muito bom), pela sonoridade. A coreografia de Guilherme Ferrêra amplia o sentido metafórico do espetáculo, com bom resultado. Paulo Guerra foi feliz na direção: comedido, ao mesmo tempo direto, reuniu os elementos cênicos em complementação aos atores, em torno dos quais, evidentemente, gira o espetáculo. A idéia de manter os personagens em cena, ainda na entrada do público é muito boa porque, embora a platéia converse, o clima vai sendo criado lentamente e por certo isso “esquenta” os atores – como ocorre com os jogadores de futebol – quando entram formalmente em cena. A última frase de Julio é terrível e sintetiza o drama: por isso mesmo, acho que poderia ser mais marcada e destacada. Fechar o triângulo é bom, porque fecha a metáfora cênica, mas isso não pode enfraquecer a fala. Talvez ela pudesse ser dita já com os atores encerrados no triângulo, e não antes. Não conheço os dois intérpretes de Dois de paus, para mim, ambos estreantes. Mas certamente estreiam com o pé direito, tanto pela dificuldade do texto quanto pelo desempenho em si mesmo, jamais afetado, jamais artificial, sempre psicológica e emocionalmente equilibrado .Com cerca de uma hora de duração, a estréia, assistida pelo dramaturgo, deve tê-lo emocionado. Afinal, a transformação do texto em espetáculo; a incorporação dos personagens nos atores, tudo isso deve mexer com um autor dramático. Por isso mesmo, parabéns a todos, estamos começando bem a nova temporada.
Edição de 20, 21, 22, 23 e 24 de abril de 2011
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