2 de mai. de 2011

DOIS DE PAUS: UM ESPETÁCULO NECESSÁRIO

foto de Gerson de Oliveira

DOIS DE PAUS: UM ESPETÁCULO NECESSÁRIO

Recentemente, assisti a uma montagem gaúcha do texto “Dois de Paus”, do brasiliense Arthur Tadeu Curado. Tive a oportunidade de ver esse mesmo texto sendo encenado pelo próprio autor no Palco Giratório do SESC, em 2006. O que me impressionou na montagem foi o ótimo trabalho de caracterização dos atores, visto que o mesmo grupo havia apresentado no dia anterior uma adaptação da peça “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, de Plínio Marcos, com o mesmo elenco e a mesma direção, e, no entanto, os trabalhos resultaram em espetáculos completamente diferentes. Enquanto “Dois Perdidos” apresentava dois homens rudes vivendo à força no mesmo quarto da periferia de uma cidade, com uma tensão sexual entre os dois sempre presente, mas nunca exteriorizada; “Dois de Paus” apresentava um casal assumidamente gay, levemente afeminado, mostrando a tensão de um relacionamento, com seus altos e baixos, em um apartamento provavelmente localizado em algum bairro nobre de uma cidade grande. É inevitável que aqui eu faça comparações entre a montagem brasiliense e a atual gaúcha, visto tratar-se do mesmo texto, embora o resultado de uma e de outra em nada de assemelhem, e talvez nem sejam comparáveis.

A atual montagem gaúcha do texto “Dois de Paus”, dirigida por Paulo Guerra, traz dois homens, nada afeminados, em um quarto, em uma sala, em um bar, em um motel, em um chat na internet, enfim, inúmeros locais podem ser vistos pelo público com a inteligente utilização de duas traves metálicas e quatro blocos de madeira vazados. Com relação à luz, enquanto o branco predominava na montagem brasiliense, mostrando cruamente, com excesso de luz, o relacionamento do casal (o que por vezes chocava uma plateia não acostumada com uma peça teatral homoafetiva), aqui o preto se sobressai, dando lugar a uma quase permanente penumbra, o que torna o espetáculo menos agressivo, mais doce e, por isso, mais tocante. A trilha sonora é leve, pontuando certos momentos fundamentais da história. E a dramaturgia de Curado foi sabiamente adaptada por Guerra, tirando os excessos e aprofundando as partes realmente importantes.

A intenção de chocar da montagem brasiliense fica mais evidente ao colocar em plena boca de cena um ardente beijo entre os dois atores da montagem, que desempenharam trabalhos excelentes de atuação, embora tenham feito um estereótipo, mesmo que de forma realista e verdadeira. Na montagem gaúcha, o que se vê é um beijo “politicamente correto” no meio do palco entre dois homens cuja sexualidade não pode ser definida à primeira vista. Guilherme Ferrêra demonstra muita concentração e segurança no palco, tem movimentos limpos e precisos e um olhar bem focado e expressivo. Dionatan Rosa tem uma energia ótima em cena, é extremamente carismático e estabelece uma empatia com o público do início ao fim do espetáculo, deixando o público dividido na última cena da peça.

A direção de Paulo Guerra está na medida certa, preocupando-se em mostrar com profundidade os detalhes mais importantes do relacionamento de Júlio e Alex, que poderiam ser Pedro e Isabel, Ricardo e Patrícia, Adriana e Teresa, enfim, qualquer relacionamento afetivo entre duas pessoas que se amam. E é aí, que Paulo Guerra acerta em cheio! Há um extremo cuidado em sua direção ao apresentar essa relação homoafetiva. Não há qualquer intenção de chocar ou levantar bandeiras. Apenas há a intenção de mostrar um relacionamento entre duas pessoas que se amam e que querem construir uma vida juntos, como qualquer casal. E, dessa forma, Guerra passa a ser muito mais ousado que a direção da outra montagem, expondo a todos o óbvio que muitas pessoas não querem enxergar. Surpreendentemente, na montagem brasiliense, a cena de sexo entre os dois personagens acontecia atrás de um sofá. Aqui ela acontece aos olhos do público, apenas com um lençol cobrindo os corpos nus, de forma que a cena, que poderia ser chocante, acaba ficando doce e esteticamente bonita e sensual, mesmo sendo mais ousada.

Sabemos que, hoje em dia, o preconceito contra homossexuais ainda é grande, apesar de toda a política que vem sendo feita, e o grupo SOMOS, apoiador do espetáculo, vem contribuindo muito na luta em combate à homofobia, entre outras ações voltadas ao grupo LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros), aumentando sua visibilidade e diminuindo o preconceito. Espetáculos como “Dois de Paus” também vêm a contribuir com a diminuição do preconceito, ao mostrar de forma tão natural, algo que ainda é repudiado por muitas pessoas. E a Sala Carlos Carvalho tem lotado todas as suas sessões de “Dois de Paus”. E espero que esse espetáculo, tão necessário a uma cidade que já abrigou duas Paradas Livres em um mesmo ano, esteja sempre em cartaz, lotando as salas na qual estiver em cartaz, para que mais gente veja o quão natural é uma relação de dois homens que se amam, tendo as mesmas preocupações, os mesmos desejos, alegrias e tristezas, saúdes e doenças de um casal heterossexual padrão. A montagem da Companhia Halarde de Teatro mostra que um casal gay também pode fazer parte do padrão, mesmo que fuja dele.

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